Depois dos arrebatadores Tudo é rio e Véspera, Carla Madeira retoma seu interesse profundo pelos conflitos humanos em A natureza da mordida. «O que você não tem mais que te entristece tanto?» É com esta pergunta que Biá, uma psicanalista aposentada, apaixonada por literatura, aborda a jovem jornalista Olívia pela primeira vez ao encontrá-la sentada à mesa de um sebo improvisado. A provocação inesperada, vinda de uma estranha, capaz de ouvir «como quem abraça, desencadeia uma sucessão de encontros, marcados pela intimidade crescente e que aos poucos revelam as histórias das duas mulheres. «Nossa amizade começou assim, enquanto nos afogávamos», relata Olívia. Com alternância entre as vozes, a força narrativa objetiva, descritiva e linear de Olívia contrapõe-se às anotações esparsas de Biá, cujos fragmentos de uma memória já falha e pouco confiável conduzem a um ponto de virada na trama que irá revelar ao leitor eventos que marcaram o passado de cada uma, evidenciando o paralelo entre as diferentes formas de abandono sofridas (e perpetradas) pelas duas amigas. Ao conhecer Olívia, o leitor é preparado para compreender Biá e, finalmente, refletir sobre a pergunta: o que faríamos em seu lugar? Como nos outros romances da autora, as personagens parecem saltar do papel para colocar o leitor diante de questões universais, entre elas a incondicionalidade do amor, a força do desejo, a culpa e o esquecimento, a memória e sua dinâmica inescrutável com o perdão. É também um livro sobre amizade. Com uma narrativa singular, potente e envolvente, Carla Madeira se reafirma em A natureza da mordida como um dos maiores nomes da literatura nacional contemporânea.