Se deus me chamar não vou

Sabe, Homem-aranha, se um dia você precisasse descer de um edifício pendurado na teia comigo nos braços acho que você não ia aguentar, ou a teia ia arrebentar, porque eu tenho muito tamanho, meus colegas me mandam tirar a cabeça da frente da lousa.

Minha mãe não usou a palavra cozinhando, ela disse preparando. Que quando a gente não tem paciência e prepara sem o banho-maria as coisas não dão certo, pode até queimar. Falou que eu precisava acreditar nela, que ia ficar tudo bem se eu ficasse boazinha no banho-maria, que eu ia sair a mais forte de todas as Marias.

Ela me disse que na minha idade as pessoas estão em banho-maria, e que eu tinha de ter paciência. Eu achei que fosse uma brincadeira com o meu nome, banho-maria-carmem, mas depois entendi que estou mais ou menos numa travessa de vidro cozinhando muito lentamente em cima da água, pra eu não queimar, e uma hora eu vou virar alguma coisa.

– Tá vendo, no fim das contas estamos todos no banho-maria.

– O livro podia acabar desse jeito. Nós quatro no tapete, deitados assim. Sugerindo maneiras de acabar o livro.

Ela falou que passaria a ser muitíssimo discreta, mas eu disse que não gosto de discreto. Eu gosto de vaga-lume,

os adultos são cheios de arrependimentos e ficam achando que a gente vai ser também.

Sozinho faz sentido também.

Acho que existem crianças mais solitárias que os velhos.

Ninguém precisa decidir que certa parte da vida acabou. O corpo sente sozinho que não dá mais pra andar